domingo, 12 de julho de 2009

Talese

Uma fila longa e serpentinada se formou no vão livre do Masp na noite de ontem. O grupo de centenas de estudantes de Jornalismo, profissionais da área e outros interessados estavam ali para ver a última palestra no Brasil do jornalista e escritor norte-americano Gay Talese, de 77 anos, um dos precursores do New Journalism, estilo que mescla técnicas literárias à apuração e redação de fatos.

Experiente, Gay Talese diz que ainda começa a pensar suas matérias consultando pacientemente o bloquinho de anotações. Se as histórias devem ser contadas, ele inicia descrevendo cenas. Preocupa-se com as pessoas por trás de cada fato, como o funcionário responsável por manter a grama aparada em um estádio de beisebol, por exemplo, ou com o homem que digita pacientemente notícias que entrarão em enormes letreiros de prédios. Para ele, um bom jornalista deve ser curioso, averiguar cada informação e estar disposto a dispender tempo com as pessoas, deixando que elas adquiram confiança para relatarem suas histórias de vida.

A imagem de jovem jornalista curioso permeou a fala de Talese. Embora assuma-se um “antiguado”, por não usar internet, e-mail ou celular, alguns de seus textos foram recentemente publicados em sites e blogs. Seria a adaptação às novas mídias? Para Talese, não. Tudo se resume à curiosidade e independe do meio em que é registrado. “A mesma pessoa que vê um pedinte na rua ou uma fila de liquidação é a que viu o homem do letreiro (diz, referindo-se à primeira matéria publicada). O jornalista deve ser curioso e isso não se aprende em faculdades.”

Seguiram-se diversos conselhos: desistir de uma entrevista quando a outra pessoa mostrar-se impaciente; tentar conquistar a confiança de todos os entrevistados; reler notas; descrever cenas; ver os fatos “do lado de fora”; repetir a mesma pergunta várias vezes para verificar se o entrevistado conta o mesmo fato de outra maneira ou se dá mais informações; ser cortês – sempre. Conselhos que muitos estudantes e profissionais presentes já ouviram ou na universidade ou de colegas experientes. Mas a prática se mostra outra. “Escrever simples é difícil”, disse Talese.

Dalmo Luis Borba, de 22 anos, já formado em jornalismo, impressionou-se. “Ele fala como escreve, consegue pegar um fato singular e colocar em uma contextualização abrangente.” Inspirado no autor, do qual já leu quatro livros, Borba também arriscou um ensaio literário no trabalho de conclusão de curso da faculdade. “Fiz um livro reportagem com uma comunidade em Alto Paraíso, em Goiás. Eram pessoas que acreditavam em discos voadores e usavam drogas, então, como fazê-las se sentirem à vontade para me contarem estas histórias?” disse. A obra de Borba está sendo reescrita. “Quero tentar uma publicação”, contou.

Daniella Cornachione, 21 anos, aluna de jornalismo da Cásper Líbero, se incomodou com as críticas às novas tecnologias. O autor havia dito que atualmente muitos profissionais se acomodam ao uso do laptop e às buscas na internet. Daniella contou que no estágio, o dia-a-dia é sempre em frente ao computador, já que a empresa não oferece condições de deslocamento para os estudantes. “Eu não posso colocar o pé na rua”, lamentou.

Debora de Andrade, 19 anos, também aluna de jornalismo da Cásper Líbero, destacou o foco dado por Talese nas pessoas que compõem as histórias. “Esta dica não é nova, mas ter uma visão mais humana é interessante.” Ainda assim, mesmo conhecida, a dica nem sempre é aplicada. “Talvez nem em revistas mensais seja possível dispor-se a ficar dias e dias em uma matéria. Mas seria bom se pudéssemos apurar melhor e ter intimidade com o entrevistado.”

Guilherme Soares Dias, 24 anos, já graduado em jornalismo e cursando pós em jornalismo literário, não desiste de tentar tornar até o texto mais burocrático um pouco mais interessante, inspirado no autor. “Talese conseguiu construir uma carreira, mostrando que é possível fazer o que todos queremos (passar mais tempo apurando, dedicar-se aos entrevistados).” Para ele, a maior dificuldade é conciliar qualidade com prazo. “Temos que tentar driblar as dificuldades. O bom repórter é aquele que consegue fazer um bom texto dentro de um tempo razoável.”

À saída do Masp, Talese teria boas histórias para contar. A começar dentro do próprio museu, onde três mulheres tentavam organizar os mais de 300 kits de fone de ouvido e rádio transmissor, usados na tradução das falas do autor e devolvidos às pressas, com fios enrolados. Atrás do museu, um grupo de centenas de jovens se dividiam nas preferências musicais: à direita, música regional. À esquerda, o street dance do hip hop urbano. Atravessando a rua, um menino de oito anos corria empurrando um carrinho ambulante, muito maior do que ele, para fugir de três viaturas policiais que faziam ronda na região. Jovens faziam manobras de skate, enquanto outros desviavam o trajeto, alheios ao mundo, conectados em seus Ipods.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Longe

Sinto falta da literatura em minhas veias como falta em minhas veias a nicotina presente em uma tragada de um cigarro – longo cigarro – que deixei de fumar por falta de tempo, por falta de dinheiro, por falta de. O cigarro já não preenchia mais o espaço que continua vago em mim. Em mim há longas áreas vagas, propícias para o reassentamento de sonhos, desejos, paixões, medos, loucuras, tudo perdido em papéis de balas que voam pelo asfalto, até esbarrarem em um meio-fio, até escorrerem por um bueiro. Não quero vida de bueiro. Quero antes ser papel em ventania do que em água que escorre para o buraco. Ainda que o fim seja imutável.

Estavam as duas em cima do Copam, em São Paulo. De lá, podiam ver a cidade toda. Lembrava de uma cena, lida em um livro, de alguém pirando em LSD e vendo da janela de um apartamento não os prédios e luzes incessantes, mas um deserto em plena metrópole paulista. O que seria um deserto em meio a São Paulo, se não esta imensidão de espaços preenchidos e pessoas desencontradas? As tragadas do cigarro iam ficando cada vez mais longas e pausadas, como se dessem tempo para os pensamentos extravasarem.

“Estou achando tudo um saco, mas não faz diferença porque eu sempre acho tudo um saco. Mas aqui ninguém me entende, aqui ninguém fala comigo, mas meu alemão está bom, embora eu sempre ache que possa melhorar”, dizia, fumando o cigarro alemão (de enrolar, porque na Europa é assim), em baforadas mais curtas e menos profundas. Cheia que estava de angústias, não havia nela espaço para mais fumaça. A outra ria, entendendo exatamente o que a amiga dizia.

Estavam as duas sentadas em um gramado em Berlin. Era fim de tarde, o sol dava uma meia-luz amarelada aos rostos que sorriam e se entendiam no tédio de um meio tempo que parece não passar. Se fechassem os olhos, poderiam lembrar-se de cada expressão de dor, de raiva, de tédio. A testa dela franzia de um jeito engraçado, com várias ondas em meio aos olhos. Da outra, de modo sisudo, uma linha única e forte delimitava o certo e o errado, o direito e o esquerdo, sem margens de manobra. Sabia que era assim, o coração duro. A outra também, de coração mole guardado em caixa de mármore.

Em Berlin os ônibus passam no horário expresso no letreiro dos pontos. Em São Paulo, os ônibus passam debaixo do minhocão onde há letreiros com minutos marcados mas tudo é um tanto incompreensível para quem não está alfabetizado na linguagem numeral dos veículos. O 8200 está a 2 minutos de passar. Mas é mentira, porque ele pode ser visto atrás do 8594 neste exato momento. Se alguém chegar daqui a 30 segundos querendo pegar o 8200, vai achar que ele passará dali a um mniuto e meio, o que é um engano. Poderá se atrasar para o trabalho, uma entrevista de emprego, uma visita a um apartamento para alugar. Alguém quer ir ao Fórum da Barra Funda e pergunta como chegar. Muros, viadutos, asfaltos, cimentos e pessoas que tentam ser amáveis umas com as outras.

Outro dia, outro paralelo, estava voltada para o lado oposto da rua, esperando o semáforo fechar. Era noite, vestia saia, cabelos balançando ao vento dos veículos que passavam apressados. Sorria nervosa para um homem do outro lado da rua. Droga de carros que não param de passar. Onde estavam os namorados que agora pareciam dois estranhos se encarando em lados opostos da rua? Sorria, saculejava o corpo, finjia que estava tudo bem. Por dentro pensava onde estavam os namorados que não conseguiam mais se entender em meio a carros, em meio a letras, em meio a tantas entrelinhas.

Do alto do Copam tudo era lembrança a cada tragada longa de cigarro. No gramado de Berlin, o silêncio de uma conversa sem palavras.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Relato de um protesto

O protesto já havia acabado. Desde a semana passada, alunos, funcionários e professores da USP planejavam a manifestação que aconteceu nesta terça-feira, com o fechamento do portão 1 da USP e o bloqueio das vias Afrânio Peixoto e Alvarenga, no Butantã. Tudo havia transcorrido dentro do previsto e com os ânimos inflados, como sempre estão em protestos de estudantes. Não houve violência física em nenhum dos lados, apenas o conflito simbólico de soldados treinados para o combate ao crime enfrentando com escudos, cacetetes e submetraladoras os estudantes munidos de flores e livros.

Os funcionários já haviam recuado da manifestação em frente ao portão 1 da USP. Um grupo de alunos ainda ficou no cruzamento, decidindo se manteriam as vias obstruídas ou se retornariam para a reitoria.

Decidiram voltar. Mas, no meio do caminho, um desentendimento mudou toda a tranquilidade mntida até então na manifestação. De acordo com testemunhas, tudo começou quando um aluno pegou um cone de trânsito e policiais passaram a acompanhar o grupo de estudantes, tentando cercá-los para recuperar o objeto. Eu caminhava mais à frente quando ouvi alunos correndo e gritando “Volta” para os estudantes dispersos, como eu. Voltei, como ele havia pedido, correndo em direção ao grupo de estudantes. Chegando lá, me deparei com quatro policiais militares sobre o canteiro central em frente ao Paço das Artes. Os alunos partiram para cima deles, cercando-os. Os policiais recuaram e pediram reforços.

Para evitar acusações de agressão, alguns alunos fizeram um cordão de isolamento para que os demais não se aproximassem dos policiais, guiando os PMs para fora do conflito. Neste momento o reforço chegou. Primeiro, a Força Tática, posicionando-se com escudos e partindo com os cacetetes em riste para cima dos estudantes. Logo em seguida, as bombas, que caíram como combustível no ânimo inflado dos estudantes. Alguns passaram a buscar nos materiais de calçamento e em tijolos as armas para enfrentar policiais armados.

A partir deste momento, o gerenciamento da crise com os alunos não era mais possível. Os policiais avançaram sobre o câmpus da USP lançando gás de pimenta, gás lacrimogênio, balas de borracha. Os estudantes recuaram e parte se dispersou pela universidade, enquanto a maioria correu para dentro dos prédios de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a FFLCH. À primeira vista, não houve depredação do prédio da reitoria nem maiores danos patrimoniais, mas o saldo foi negativo para os grevistas: três manifestantes presos e um ferido.

Não era para ser assim. A terça-feira de protestos na USP começou tranquila: os alunos da Unesp e Unicamp, que viriam para reforçar a manifestação dos grevistas, chegaram pouco depois do programado. Mesmo com a espera, o clima era de festividade: quatro churrasqueiras portáteis assavam milhares de espetinhos de carne vermelha e de frango, vendidos a um real pelo Sindicato dos funcionários da USP, o Sintusp. De quebra, ganhava-se um pão para fazer um sanduíche e por mais cinquenta centavos, um copo de 200 ml de guaraná. A fila para a compra dos tickets era enorme, mas andava rápido e de modo ordenado. A fila para pegar o espetinho, o pão e o guaraná também era grande, mas não desanimava. Eu entrei duas vezes em cada uma delas.

Nos dois lados da calçada da rua em frente à reitoria, havia vendedores de filmes reproduzidos livremente, com títulos que remetiam à causa operária, como O ABC da Greve, ou marcos do cinema brasileiro, como Macunaíma e Terra em Transe.

Muito diferente do clima de guerra que presenciei cinco horas depois, naquele mesmo espaço. Uma Cidade Universitária, construída para abrigar centros em que se concentrariam as maiores produções intelectuais de São Paulo, estava sitiada. O zunido das bombas, a fumaça do gás lacrimogênio, o efeito do gás pimenta sobre estudantes, professores e funcionários.
À parte as discussões sobre pautas ou a representatividade do movimento, quem esteve no câmpus da USP naquela tarde não discordou de que a força usada pela polícia era excessiva. Os desdobramentos virão nos próximos dias, neste mesmo tom.

terça-feira, 31 de março de 2009

Ela

Pelas manhãs, às 8h55, o ônibus Estribo Ahú sai do ponto final e percorre o trajeto bairro-centro, pegando pelo caminho pessoas sonolentas como eu que saem de suas casas para trabalhar. Sempre penso como é que eu conseguia acordar mais cedo do que isso quando era mais nova, saía para a balada, ia para a aula, de tarde fazia várias atividades... onde foi parar as pilhas que perdi? Mas não era sobre isso que eu ia escrever (quem sabe o próximo post mensal). Vamos lá. Ia escrever sobre o trajeto matinal do ônibus. Pois bem.
Às 9h10, mais ou menos, embarca no microônibus uma senhora cheia de vivacidade. Conversa com o motorista, puxa papo com os passageiros, não se importa muito se você responde ou não. Ela quer é falar. Dia desses, fui eu a escolhida para ouví-la.
Como em outros solilóquios que já havia presenciado anteriormente, ela, comigo, começou dizendo as mesmas coisas: que as pessoas andam tristes, que ninguém conversa com ninguém, que antes-sim-as-pessoas-sorriam, que hoje nem as crianças são as mesmas e blá. Fiquei entristecida. Fechei timidamente meu livro, no qual enfio minha cabeça todos os dias, sem olhar para os outros passageiros. Tentei sorrir e respondê-la, mas foi em vão. O solilóquio prosseguiu.
Enquanto a senhorinha destrinchava sobre mim seus pensamentos, eu balançava a cabeça e pensava em meus monstrinhos. Ela contava do irmão, com o qual não se dava bem - eu pensava que vida triste não poder conversar com o irmão. Lembrei do meu que há tempos não converso direito...
Depois, falou dos 11 gatos que vivem com ela e eu pensei em meus cachorros e no meu futuro. Talvez em poucos anos seja eu a sentar-me ao lado de uma jovem que sorri com seu livro sobre o colo, sem dizer uma palavra porque absorvida em pensamentos, enquanto eu imaginarei que ela nada diz porque não consegue compreender o que eu tento ensinar. E assim seguiremos a nossa viagem até o centro da cidade, onde ela descerá para trabalhar e, eu, bem... seguirei o meu caminho conversando com pessoas, alertando-as a não ficarem tristes, porque a vida é uma só e sim, eu havia aprendido isso com a minha. Quiçá ouvisse os conselhos daquela mulher idosa que, um dia, tentou me alertar.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Como se divertir em festinhas americanas

Fazia parte da atração para os estudantes estrangeiros. Em um simpósio internacional que discutiria a pobreza e a desiguladade mundial em uma universidade americana de Boston, Massachusetts, a “Basement Party” constava na programação paralela de diversão para os gringos – que, naquele caso, éramos nós: cinco brasileiros e outros tantos quenianos, indianos, coreanos, peruanos, mexicanos, palestinos, israelenses, haitianos, enfim… uma parte do globo terrestre pisando naquelas calçadas brancas e frias que Deus mandava.
A festa seria no porão da casa de um dos estudantes americanos. Fui com as meninas que estavam me hospedando na casa delas – não sem antes promover o famoso ‘esquenta’ brasileiro, quando pedi licença para convidar meus outros quatro amigos e lá tomamos vinhos, cervejas e até chás.
Convencidos de que estávamos já animadinhos, fomos para a festa. Os americanos não estavam se preocupando tanto em se alegrar antecipadamente. Quando achamos o endereço, o silêncio fora da casa era de causar desconfiança. Mas o porão… hum, animado! Escuro, com bastante bebida, muitos estrangeiros e uns americanos que se divertiam em tomar o chopp direto na mangueira – não sem antes provarem por a+b que a lei da gravidade também poderia ser transgredida; e viravam de pernas para o ar com aquele bico de bebida enfiado na boca.
As quenianas dançavam como nunca. Um requebrado que envergonharia qualquer mulata da Rede Globo. Nós assistíamos. Os haitianos não ficavam longe e requebravam num ziriguidum sensual. Mas mal deu tempo de ver se o banheiro estava sujo: logo apareceram pessoas de todos os lados sussurando: “the cops”.
Para uma brasileira que adora uma festa, polícia às 23h30 era quase folclórico. Enquanto os responsáveis pela casa se apresentavam para assinar algum documento que implicaria em multa e, enquanto os cops procuravam menores de idade em meio a tantas caras e sotaques diferentes, meu amigo Alexandre me perguntava: você trouxe seu passaporte?
Aos poucos o porão se esvaziou. As bebidas estavam acabando, o chopp já havia sido engolido e os fumantes já haviam se cansado de ficar na neve, do lado de fora. Encontrei um novo amigo peruano, o Héctor, e fomos dando risada da festinha dos americanos. Em português, espanhol e inglês, dizíamos que eles não sabiam fazer festa: “No Brasil, eu saio de casa às 23h30 e ainda tenho que fazer hora em algum barzinho antes de a festa começar.” Ele riu, disse que em Lima era assim também. Combinamos que no próximo simpósio discutiríamos a pobreza e a desigualdade mundial na América Latina e que lá – sim – eles veriam o que é uma festa.
Foi quando um americano se aproximou do nosos grupo e disse que haveria uma festa em outra casa, mas que não poderíamos ir todos juntos, caso contrário a polícia nos seguiria. Andamos em grupos menores, dando voltas nos quarteirões para enganar os cops (enquanto isso eu ouvia a indiana ao fundo reclamando “what the fucking cops fucking us in this fucking night”).
Héctor e eu tramávamos planos mirabolantes: para se divertir em festas americanas, os lugares/casas/porões deveriam ser previamente combinados. Pensamos em registrar a ideia para que nenhum oprtunista fizesse dinheiro com ela antes da gente. Seria o seguinte: ao chegar no primeiro porão, os convidados receberiam um folder com as indicações de horários e casas que seriam frequentadas naquela noite. Das 22h00 às 23h30, endereço tal. Das 00h00 às 2h30; endereço tal… das 3h00 às 4h30, endereço tal… Assim todos se locomoveriam calmamente, fazendo a sua programação prévia e quando os cops aparecessem, nós já estaríamos na festa seguinte. O único porém seria esconder o mapa para que os policiais não o encontrasse.
Chegamos à segunda festa, mais um porão – porém habitável. Este já não estava tao escuro. Havia sido transformado em uma sala de jogos, havia mesa de sinuca, tela de plasma com som estéreo para filmes e videogames e laguns utensílios domésticos, como uma máquina de lavar roupas, de trás da qual surgiram misteriosamente vários pecks de latinhas de cerveja. Mas não durou muito: os cops nos seguiram e acabaram com a festa.
“This is america, men” foi o que ouvi quando argumentei que ainda era cedo, que no Brasil as festas vão até tarde e que não havia nada de mais a gente se divertir um pouco já que a vida era curta, bela e nós, jovens.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A curiosa chuva em Benjamin Button

É semiótica. A chuva está presente nos filmes em momentos de tensão, de desvendar da trama, de acontecimentos marcantes. Chove no filme "O misterioso caso de Benjamin Button". Não uma chuva qualquer. Mas a chuva que cai com vento, com assobios, com tensão. A chuva do prenúncio do furacão. A chuva do Katrina.

Estamos em 2003. Uma senhora, Dayse, está no leito de morte em um dos hospitais de New Orleans. A filha começa a ler um diário com memórias de uma vida incomum. Não a da mãe, mas a de um sujeito curioso: Benjamin Button.

A narrativa de Benjamin é permeada pelas lembranças dessa senhora e pela dramaticidade da chuva que cai sem parar. Há enfermeiras correndo, pacientes sendo transferidos, mas no quarto das reminiscências, a chuva é companheira. O noticiário informando sobre o perigo dos diques se romperem. E o drama de Benjamin, o amor de Dayse, o mistério e o curioso.

Nenhuma chuva cinematográfica daria conta de passar a dramaticidade do conto de F. Scott Fitzgerald, em que o longa se baseia. Nenhuma tempestade, nenhum trovão. O diretor David Fincher escolheu o fenômeno meteorológico que mais causou comoção na recente história dos Estados Unidos. O espectador que se prepare.

A trama parece ser o sonho de alguns: nascer velho e morrer jovem. Mas Benjamin Button sofre. O corpo é senil, mas a mente é de criança. Ele não consegue correr e brincar porque tem artrite. Não consegue movimentar os membros jovens porque o espírito envelheceu. Tem esclerose aos oito anos. E morre bebê. A chuva do Katrina revela à leitora do diário a sua ligação com a história. A tormenta traz a versão de Benjamin para a ligação que ele e a mãe tiveram em vida. Memórias que Dayse jamais imaginaria.

E há o relógio.

A inundação do Katrina chega ao local em que está guardado o relógio. O mecanismo que enfim irá se estragar. O relógio que foi posto na estação pelo pai de um combatente de guerra que morreu em batalha. O relógio cuja engrenagem movimenta o tempo para trás. O relógio do ano em que Benjamin Button nasceu. A semiótica, o tempo e o espaço, a narrativa inicial que faz referência na última cena do filme. A história que se perdeu na inundação, na água da chuva, na tormenta dos sentimentos. Benjamin Button e os botões da história, os botões do tempo, os botões que o fazem enriquecer, mas não trazem a permanência do amor.

E tem-se a ideia de que o melhor do amor é envelhecer juntos. O melhor da vida é a velhice, o melhor da velhice, é a senilidade. O melhor do filme, as reflexões que provoca.


Ficha Técnica
Título Original: The Curious Case of Benjamin Button
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 166 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.benjaminbutton.com.br
Estúdio: Warner Bros / Paramount Pictures / The Kennedy/Marshall Company
Distribuição: Warner Bros
Direção: David Fincher
Roteiro: Eric Roth e Robin Swicord, baseado em estória de F. Scott Fitzgerald
Produção: Ceán Chaffin, Kathleen Kennedy e Frank Marshall
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Claudio Miranda
Desenho de Produção: Donald Graham Burt
Direção de Arte: Kelly Curley, Randy Moore e Tom Reta
Figurino: Jacqueline West
Edição: Kirk Baxter e Angus Wall
Efeitos Especiais: Lola Visual Effects / Evil Eye Pictures / Matte World Digital / Savage Visual Effects / Hydraulx / Drac Studios / Asylum VFX / Digital Domain / Gentle Giant Studios / Ollin Studio / Special Effects Atlantic


Mais?
www.benjaminbutton.com



sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Vocais sagrados

O timbre irretocável de Liane Guariente falhou. Talvez somente os que conhecem as gravações do grupo Terra Sonora tenham percebido, mas não havia tantos agudos como ela é capaz. Guariente é uma cantora fabulosa. Consegue atingir níveis altos e a pronúncia de dialetos de diversos grupos de países remotos. Mas naquela noite, algo aconteceu.

Cantava ela o tema Bahatuba, de Sri Lanka.Algumas ousadias foram poupadas. Daniel Farah, que a tem acompanhado no vocal, preenchia os espaços. Ela sorria, cabisbaixa, parecia sentir falta de ar. Que não fosse Edith Piaf. Plínio Silva, fundador do grupo, observava. No intervalo entre uma união de tema e outra (o show estava estruturado na apresentação de duas músicas de países diferentes, por vez), Plínio deu um tempo a Liane. Ela descansou a voz, tomou água, respirou fundo, enquanto ele entretinha o público contando uma história que parecia séria. Era uma piada sobre a origem do nome Macedônia, tema que seria apresentado em seguida.

E Liane ressurgiu. Sua voz vinha do mais profundo sentimento ao cantar a Seresta, de José Eduardo Gramani, tema do Brasil. O choro dos instrumentos acompanhava a dramaticidade daquela peça. A qualidade foi deslumbrante. E os aplausos foram quase um agradecimento, um alívio. Tudo estava bem.

A graça musical, quase sagrada, foi dada por Daniel Farah executando a técnica bifônica de Tuva no tema Beezhinden. Dani -- que até bem pouco tempo atrás era um dos meninos malucos do Universo em Verso Livre, com sua percussão instigante -- consegue obter duas fonias distintas ao mesmo tempo. Difícil explicar. Terra Sonora não precisa de palavras, além daquelas acompanhadas de cítaras, tambores, violões, flautas, violinos e instrumentos tradicionais de países que não fazem parte do Conselho de Segurança da ONU.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Eu adoro assessoria

Funciona. Você liga, diz o que precisa, e eles conseguem. Um sociólogo para analisar Curitiba nos anos 60. Uma escola infantil que use merendas naturais. Um determinado tipo produto que contenha algo que você vai usar na matéria. São as formiguinhas do jornalismo. Procuram, futucam e entregam o peixe. Voilà! E o texto fica lindo.

Quinta-feira, 08 de janeiro. Ligo para uma assessoria procurando por um especialista em determinada área de uma instituição específica. Opto por tal instituição justamente porque preciso do atendimento rápido e certeiro que o assessor dará. O tema é ensino e no início do ano todos os professores estão em recesso. Preciso contar com a varinha de condão do assessor.

Funciona como uma sanduicheria em que você escolhe o pão, o molho, o recheio. Especialista de tal área, para falar sobre tal assunto, para amanhã de tarde. Ok, até as 16h eu terei a minha resposta. E consigo.

Já passei por assessoria e reportagem. Prestei auxílio e fui auxiliada. Mas que o assessor deve ter qualidades que um repórter não tem.

Ele deve estar desprendido de vaidades. Vai ajudar outro profissional a fazer o trabalho e por vezes é justo o outro que recebe todo o reconhecimento. O assessor deve portar-se como um secretário ou produtor. E o repórter deve usar tal serviço com parcimônia, para não virar refém da preguiça.

Outras vezes a situação se inverte. O assessor nunca deixa o repórter chegar aos dados. Vira briga de gato e rato. Um futebol americano. A luta por uma informação em nome do público leitor. Se esconde, é porque aí tem.

Duas áreas distintas que se completam, se ajudam. O repórter precisa do entrevistado e o assessor precisa que seu cliente saia no jornal. Simbiose. Até que a vaidade os separe.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Amanhã teremos Sol

Ele, em viagem, aproveitava o fim de ano com amigos em uma ilha paradisíaca do litoral do Paraná (sim, o Paraná tem ilha paradisíaca... só que ninguém conhece). Ela ficou na cidade, trabalhando. Não que fosse um namoooooro daqueles já consagrados, reconhecidos e afinados, com regras internas de pode-não-pode. Eram dois amigos, dois ex-namorados que se encontraram anos depois. E a paixão veio, deixando-os atordoados... mas não a tempo de conversarem sobre o que havia entre eles. Ano Novo, viagens, nenhum compromisso. Preferiram deste modo. Os sentimentos se encarregaram de enlaçá-los. E assim foi.


Quando ela voltou ao trabalho depois do recesso, a saudade aumentou. Queria estar com ele lá na ilha, tomando cataia, comendo pastel de camarão, andando quilômetros pela praia deserta. Mas estava em Curitiba. Céu cinza, vento frio, computador, jornal, leituras, pesquisas. Momento de rebeldia. Tirou uns minutos para pensar.

Escreveu um e-mail para ele, mesmo sabendo que não o leria. Esperou a resposta, mesmo sabendo que não viria. E sentia saudades. Depois, insegurança. Depois, um pouco de raiva. Esqueceu que ele estava na ilha sem internet. Deu vazão à sua veia histérica e soltou a imaginação: “Ele deve estar lá, tomando todas, comendo pastel, matando o tempo da chuva no bar do Magal, sim, tenho certeza... e lá também estão todos os que resolveram acampar na ilha... hum, deve ter umazinha olhando para ele, claro... com aquela carinha de querido... hum... ele tomando... ela também... o frio da chuva, os corpos molhados, a preguiça e a vontade de se largar com alguém dentro da barraca, só para esquentar... tomara que ele encha o colchonete de areia quando se jogar lá dentro com alguém... não, melhor: tomara que ele beba tanto que nem repare em alguém... sim... tomara... e este e-mail que ele não responde? hein? hein? Eu aqui, sentindo saudades, trabalhando (graças a Deus, porque a situação está feia), mas ele também deveria estar aqui... poxa... sinto saudade... ora... ora...”


Durou umas frações de segundos. Os pensamentos foram e voltaram, até que riu da possibilidade de ser uma louca (ela o era, na verdade... mas disfarçava). Pensou em escrever outro e-mail. Acontecimentos do dia, nada de mais... só para compartilhar. Não escreveu. Imaginou que era bem fácil esta história de histeria ganhar força e se transformar em realidade. Voltou ao trabalho, ao jornal, às pesquisas, aos textos.


No dia seguinte, enquanto voltava para casa pensando e pensando “cadê, cadê, cadê ele?” enquanto a chuva caía forte, escorrendo pelos vidros do ônibus de apito agudo de próxima parada, percebeu que queria ver piscar no celular o nome dele. Sintomático. Torceu para que estivesse chovendo na ilha, para que ele voltasse logo. Depois tentou desfazer este pensamento, muita maldade e egoísmo em uma pessoa só. Mas era saudades... só saudades...


Desceu no ponto próximo à sua casa, correu da chuva que caía, protegendo papéis, livros, câmera fotográfica. Lembrou do dia em que eles foram juntos visitar a exposição fotográfica que ela havia montado dois meses antes. Calor, críticas, carinho, cerveja, calor, cerveja, cerveja... e o beijo sem querer, e as borboletas a voarem, e os sentimentos.


Quando o telefone tocou, pensou: “Bem que poderia ser o Reinaldo, tenho saudade de ver o nome dele piscando aqui, mas deve ser a minha mãe, só ela me liga...” Olhou. Era ele. “Acabei de chegar. Liguei só para dar oi”. Eba! Conversas, risos, como foi lá, como foi aqui. Saudades.

Amanhã teremos sol. E passeio de mãos dadas.