segunda-feira, 8 de setembro de 2008

São Paulo na visão particular de uma curitibana

Luiz Carlos Ramos é o jornalista que acompanhará a nossa turma no módulo "A Pauta". Como primeiro exercício, propôs que descrevêssemos São Paulo comparando-a com a cidade de origem, ou, para os paulistas, comparando o bairro em que moram com o bairro do Limão, onde fica o jornal O Estado de S. Paulo. Fiz um texto bem lúdico, sem me ater ao leitor-padrão do Estadão, cujas características são mais conservadoras e sisudas. O problema é que decisóes como essa podem ser ridicularizadas frente à toda a turma. Também há o erro comum de que a parcialidade de alguém que vivia em São Paulo à três dias poderia atrapalhar e estabelecer comparaçãoes supérfluas, medianas, preconceituosas, desnecessárias, enfim...
O feedback também vem nessa semana. Vamos ver o que será dito disso que mal tracei aí:
O relógio marcava 20h17. Caminhava a passos apressados, um pouco por costume, outro pouco porque disseram que não era bom andar por ali, naquele horário. Planalto Paulista, São Paulo. Terça-feira, 02 de setembro de 2008.

O bairro guardava semelhanças com a cidade de onde vinha, Curitiba. Da capital paranaense, trazia a lembrança de árvores por todos os lados e o declive acentuado de alguns caminhos. O nome da rua, Itaipu, também parecia combinado.

Para ela, Curitiba é uma cidade organizada, previsível, que cresce com planejamento. São Paulo é uma cidade instintiva, rebelde, que cresce desenfreadamente. Ela era um pouco São Paulo, tentando domar-se e ser Curitiba.

As calçadas irregulares, as sujeiras pela rua e o sistema de transporte estrangulado às vezes fazia-a sentir saudades do trânsito paranaense, das ruas varridas e das calçadas em preto-e-branco, que compunham com seus sapatos vermelhos cenas de um filme europeu. O ritmo agora era outro. Entregava-se à massa do metrô como um peixe em um cardume, que se movimenta em conjunto para aumentar as chances de sobrevivência.

Metrô que, aliás, é o mesmo assunto na eleição de ambas as cidades. Uma porque precisa implantar; outra porque precisa ampliar. O transporte urbano de Curitiba foi citado pelo candidato à prefeitura paulista Geraldo Alckmin na sabatina realizada no Estadão daquele mesmo dia, como exemplo de mobilidade. A teoria plasticamente perfeita de Curitiba convence aos visitantes, mas não aos moradores da capital paranaense. O aperto de um biarticulado é o mesmo do metrô da Sé, com a agravante de ser assim por todo o trajeto Tucuruvi-Jabaquara, e não apenas Sé-Liberdade – comparando os trajetos de ambas as cidades.

O planejamento urbano de Curitiba segue o mesmo padrão há anos, de acordo com levantamento feito pelo jornal Gazeta do Povo na edição de 10 de agosto de 2008. Diz o texto de Bruna Maestri Walter que desde 1954 foram 15 prefeitos e somente três eram da oposição. O mesmo padrão não pode ser percebido por São Paulo. Talvez por isso a cidade cresça sem limites, como uma criança educada por pais, tios e primos. Curitiba não se mostrou pronta para a democracia transposta em diversos partidos na prefeitura. Para ela, enquanto suas percepções sobre a cidade paulista vão se delineando, as capitais decidem pelos governantes dos próximos 4 anos. Pensa que seria bom haver ousadia com planejamento. Assim como aconteceu consigo ao vir morar em São Paulo.

Observação

O Curso de Jornalismo do Estadão propõe alguns exercícios de memorização e ambientação. O primeiro que redigi está logo abaixo. A jornalista Carla Miranda, editora do caderno de Viagens d'O Estado de S. Paulo, está com a XIX Turma de Jornalismo Aplicado dando o módulo de "Edição". Para ter um texto a trabalhar, ela pediu que descrevêssemos a redação, visitada dias antes. Detalhe: quando por lá estivemos, não sabíamos da necessidade de fazer a descrição, ou seja, ninguém anotou nada. Tínhamos 30 minutos para escrever 30 linhas sobre a nossa visita. Não valia textos pessoais.
Na próxima aula, marcada para essa semana, ela irá projetar os textos e destacar o que poderia ser editado, suprido, esqucido, apagado para sempre da sua breve vida de profissional da imprensa.
Tentei e saiu isso aí:
A redação do primeiro grande jornal brasileiro a aposentar a máquina de escrever possui, hoje, cerca de 400 computadores separados em duas grandes alas em que trabalham os jornalistas responsáveis pelas edições diárias e pelos cadernos especiais de O Estado de S. Paulo. O ambiente possui iluminação fria, cadeiras e mesas em tom verde-água que dão uma sensação de calmaria em um espaço tradicionalmente ligado à pressa no apuro das informações.

Em um dos prédios da empresa, a redação fica no sexto andar. Ao sair do elevador, um hall ostenta quadros dos fundadores do Estadão e uma bandeira do Estado de São Paulo doada por estudantes de direito. O corredor que une o hall à redação é, na verdade, uma passarela entre dois prédios, em que há retratos de grandes jornalistas que passaram pelo grupo – entre eles, Euclides da Cunha. Ao fim dessa passarela, chega-se à redação. Do lado direito ficam os jornalistas responsáveis pela edição diária. Do lado esquerdo, os responsáveis pelos cadernos especiais.

São nas mesas desse segundo grupo em que estão os elementos mais pessoais que caracterizam a personalidade de quem tecla naquele computador. A pluralidade do jornal pode ser atestada na mesa de uma profissional que, de tantos penduricalhos, porta-retratos e peças em miniaturas, mal deixa sobrar espaço para a leitura de qualquer material de apoio. Em outra mesa, uma coleção de pequenas edições de guias indica uma possível característica mais introspectiva daquele profissional.

Referências pessoais daqueles que compõem textos para todo o Brasil. Ao fim dessa ala fica a jornalista Cecília Thompson. Com mais de 50 anos de jornalismo, ela é uma das poucas profissionais antigas do Estadão que ainda está na redação. Em sua mesa, as fotos antigas são referências a uma vida repleta de boas histórias para contar.

Ao passar de uma ala a outra, fotos distribuídas na parede não deixam que novos profissionais – e antigos – se esqueçam de todas as transformações vividas naquele espaço. Vladimir Herzog e um jovem Ricardo Godoy estão entre os personagens dessas imagens. Se antes era comum fumar nas redações, conforme demonstram as fotografias, hoje o espaço para quem tem esse hábito fica em uma sala anexa à redação; ambiente que, nem por isso, deixa de ser agradável e de possibilitar trocas entre profissionais de diferentes editorias.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Jornalismo Cultural

Encontro com um dos maiores jornalistas de cinema do Brasil traz elementos sobre o exercício da profissão desde os anos 70; estilo demonstra que o bom jornalista deve gostar mesmo do que faz.


Às 12h20, no bairro do Bexiga, em São Paulo, um senhor se escondia do sol escaldante sob um telefone público. Falava e gesticulava com veemência, em um espanhol impecável – digno da língua de Almodóvar. Era Luiz Carlos Merten em ação.

O barulho da rua não atrapalhava a sua concentração. A conversa era uma entrevista com uma diretora espanhola e foi transposta em páginas de jornal. “Mas você não gravava nada, nem fazia anotação?”, perguntou Álvaro Carneiro Gouveia. “Nunca gravei”, respondeu. “E incrivelmente nunca recebi uma reclamação de quem contestasse o teor das minhas matérias”, disse o jornalista de cinema, como o próprio Merten se define.

A conversa aconteceu na sede do jornal O Estado de S. Paulo na manhã do dia 03 de setembro de 2008. Foi dirigida para a turma do XIX Curso de Jornalismo Aplicado, composta por 31 estudantes e recém-formados em Jornalismo que buscam nesse espaço aperfeiçoarem os conhecimentos acadêmicos e pôr em prática a profissão que escolheram.

Luiz Carlos Merten é um desses jornalistas clássicos, no melhor sentido que a palavra pode ter. Desenvolto, parece ser capaz de conversar de igual para igual em todo e qualquer ambiente social, assim como um jornalista deve ser. É fácil transportar a figura desse senhor de cabelos grisalhos para um bar boêmio do jornalismo anos 70-80. Na pós-modernidade hightech dos anos 2000, Merten escreve para o jornal O Estado de S. Paulo e mantém um blog sobre cinema, sua especialidade.

Na edição de 03 de setembro do Estadão, Merten publicou duas páginas inteiras sobre a estréia da semana – o filme Linha de Passe, de Walter Moreira Sales e Daniela Thomas. Duas páginas redigidas sem gravação em áudio da entrevista ou uma mísera anotação. “O Walter pergunta pra mim: ‘já ligou seu gravadorzinho mental?”, brinca. Eu, para escrever esse texto, anotei cinco páginas de um caderno pequeno, com minhas letras miúdas e mal escritas.

Para compor suas matérias, Luiz Carlos Meten prefere escrever diretamente na página do jornal, utilizando o software adotado pela empresa. “Dá mais tesão”.

Gaúcho, Merten iniciou a vida acadêmica com o curso de arquitetura, o qual cursou 9 dos 10 semestres necessários para a graduação. Entrou para a faculdade em março de 1964 e, com o golpe militar, o ambiente acadêmico virou espaço de contestação. Luiz Merten passou a redigir textos para o mural da universidade. “Ainda com letras de arquiteto, tudo de forma, sem nada de digitação ou computador que você usam hoje”, comparou.

Saindo da faculdade de arquitetura sem se graduar, Merten exerceu o jornalismo desde o início dos anos 70, quando entrou para o jornal Folha da Manhã (RS). Em 1975, com o movimento pela obrigatoriedade do diploma, Merten entrou para a graduação a fim de obter o título. Profissionalmente passou por diversas editorias no grupo RBS: esportes, internacional, geral... longe do cinema, Luiz Carlos disse que ali aprendeu a redigir uma notícia. “Pegava as informações dos repórteres e redigia a matéria”, conta, evidenciando tempos de jornalismo que já não têm mais.

Em esportes, exercitava o livre texto escrevendo crônicas sobre o futebol. “Mas só do Internacional, porque sou Colorado”, brincou, emendando que, sobre o Grêmio, nem o próprio clube queria saber de textos dele. “Sou muito tendencioso.”

Embora adaptável, sua grande paixão é o cinema. Exigente, ele diz que não gosta de ler textos antigos, porque geralmente estranha as referências feitas na crítica. “Não é que o filme muda ou vire clássico, mas o que muda é a nossa relação com o filme.” E dá exemplos: “A primeira vez que vi Morangos Silvestres eu achei um horror. Entrou por um olho e saiu por outro. Depois eu acho que fui ganhando mais maturidade e sabedoria. Sabedoria? Não, tira sabedoria... fui ganhando mais maturidade e hoje o filme faz parte do meu referencial e eu sou capaz de citar diálogos inteiros.”

O estilo clássico de Merten também passa pelo modo de finalização do texto. Ele não revisa. Na equipe em que trabalha, a figura do revisor ainda é presente. Pérolas do jornalismo antigo que, vez ou outra ainda resiste. Ponto para o jornal; vencem os leitores.

Em um canto esquecido na maioria dos impressos, o resumo dos filmes de televisão, Luz Carlos Merten dedica especial atenção, por puro capricho. Escreve o texto todas as vezes que o filme tem exibição marcada e não recorre a arquivos pré-formatados. “Assim o texto tem o molho do dia”. Realmente. Na edição de quinta-feira, 4 de setembro, escreveu sobre o filme “&Uma questão de família”, de Don Boyd, que seria exibido na rede Bandeirantes:

“Richard Harris faz chefão do crime de Liverpool, cuja mulher é morta num assalto e ele, desestabilizado, divide seu império entre as três filas. Lembra alguma coisa? Rei Lear, de Shakespeare, claro. O diretor Boyd fez uma interessante transposição da tragédia clássica, mas seu filme não seria tão bom se não contasse com Richard Harris no papel. Ele trabalhou com Michelangelo Antonioni (O deserto Vermelho, lançado no Brasil como O Dilema de Uma Vida), mas seu papel emblemático talvez tenha sido o de homem obcecado por vingança em Fúria Selvagem (Man in the Wilderness, de Richard C. Sarafian, de 1971), que antecipa o Fitzcarraldo de Werner Herzog.”

Na descrição de um filme, diversas referências para quem quiser se aprofundar.

No blog, Merten diz adotar o estilo “blocão de texto”: sem fotos, sem abertura de parágrafos, apenas a transcrição do pensamento, tal qual ele se articula. “É o meu monólogo de Ulisses. Se for pôr foto e abrir parágrafo, fica igual jornal”, diz.

Acesse o blog sobre cinema de Merten pelo portal do Estadão: http://www.estadao.com.br/