quarta-feira, 10 de junho de 2009

Relato de um protesto

O protesto já havia acabado. Desde a semana passada, alunos, funcionários e professores da USP planejavam a manifestação que aconteceu nesta terça-feira, com o fechamento do portão 1 da USP e o bloqueio das vias Afrânio Peixoto e Alvarenga, no Butantã. Tudo havia transcorrido dentro do previsto e com os ânimos inflados, como sempre estão em protestos de estudantes. Não houve violência física em nenhum dos lados, apenas o conflito simbólico de soldados treinados para o combate ao crime enfrentando com escudos, cacetetes e submetraladoras os estudantes munidos de flores e livros.

Os funcionários já haviam recuado da manifestação em frente ao portão 1 da USP. Um grupo de alunos ainda ficou no cruzamento, decidindo se manteriam as vias obstruídas ou se retornariam para a reitoria.

Decidiram voltar. Mas, no meio do caminho, um desentendimento mudou toda a tranquilidade mntida até então na manifestação. De acordo com testemunhas, tudo começou quando um aluno pegou um cone de trânsito e policiais passaram a acompanhar o grupo de estudantes, tentando cercá-los para recuperar o objeto. Eu caminhava mais à frente quando ouvi alunos correndo e gritando “Volta” para os estudantes dispersos, como eu. Voltei, como ele havia pedido, correndo em direção ao grupo de estudantes. Chegando lá, me deparei com quatro policiais militares sobre o canteiro central em frente ao Paço das Artes. Os alunos partiram para cima deles, cercando-os. Os policiais recuaram e pediram reforços.

Para evitar acusações de agressão, alguns alunos fizeram um cordão de isolamento para que os demais não se aproximassem dos policiais, guiando os PMs para fora do conflito. Neste momento o reforço chegou. Primeiro, a Força Tática, posicionando-se com escudos e partindo com os cacetetes em riste para cima dos estudantes. Logo em seguida, as bombas, que caíram como combustível no ânimo inflado dos estudantes. Alguns passaram a buscar nos materiais de calçamento e em tijolos as armas para enfrentar policiais armados.

A partir deste momento, o gerenciamento da crise com os alunos não era mais possível. Os policiais avançaram sobre o câmpus da USP lançando gás de pimenta, gás lacrimogênio, balas de borracha. Os estudantes recuaram e parte se dispersou pela universidade, enquanto a maioria correu para dentro dos prédios de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a FFLCH. À primeira vista, não houve depredação do prédio da reitoria nem maiores danos patrimoniais, mas o saldo foi negativo para os grevistas: três manifestantes presos e um ferido.

Não era para ser assim. A terça-feira de protestos na USP começou tranquila: os alunos da Unesp e Unicamp, que viriam para reforçar a manifestação dos grevistas, chegaram pouco depois do programado. Mesmo com a espera, o clima era de festividade: quatro churrasqueiras portáteis assavam milhares de espetinhos de carne vermelha e de frango, vendidos a um real pelo Sindicato dos funcionários da USP, o Sintusp. De quebra, ganhava-se um pão para fazer um sanduíche e por mais cinquenta centavos, um copo de 200 ml de guaraná. A fila para a compra dos tickets era enorme, mas andava rápido e de modo ordenado. A fila para pegar o espetinho, o pão e o guaraná também era grande, mas não desanimava. Eu entrei duas vezes em cada uma delas.

Nos dois lados da calçada da rua em frente à reitoria, havia vendedores de filmes reproduzidos livremente, com títulos que remetiam à causa operária, como O ABC da Greve, ou marcos do cinema brasileiro, como Macunaíma e Terra em Transe.

Muito diferente do clima de guerra que presenciei cinco horas depois, naquele mesmo espaço. Uma Cidade Universitária, construída para abrigar centros em que se concentrariam as maiores produções intelectuais de São Paulo, estava sitiada. O zunido das bombas, a fumaça do gás lacrimogênio, o efeito do gás pimenta sobre estudantes, professores e funcionários.
À parte as discussões sobre pautas ou a representatividade do movimento, quem esteve no câmpus da USP naquela tarde não discordou de que a força usada pela polícia era excessiva. Os desdobramentos virão nos próximos dias, neste mesmo tom.