terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Como se divertir em festinhas americanas

Fazia parte da atração para os estudantes estrangeiros. Em um simpósio internacional que discutiria a pobreza e a desiguladade mundial em uma universidade americana de Boston, Massachusetts, a “Basement Party” constava na programação paralela de diversão para os gringos – que, naquele caso, éramos nós: cinco brasileiros e outros tantos quenianos, indianos, coreanos, peruanos, mexicanos, palestinos, israelenses, haitianos, enfim… uma parte do globo terrestre pisando naquelas calçadas brancas e frias que Deus mandava.
A festa seria no porão da casa de um dos estudantes americanos. Fui com as meninas que estavam me hospedando na casa delas – não sem antes promover o famoso ‘esquenta’ brasileiro, quando pedi licença para convidar meus outros quatro amigos e lá tomamos vinhos, cervejas e até chás.
Convencidos de que estávamos já animadinhos, fomos para a festa. Os americanos não estavam se preocupando tanto em se alegrar antecipadamente. Quando achamos o endereço, o silêncio fora da casa era de causar desconfiança. Mas o porão… hum, animado! Escuro, com bastante bebida, muitos estrangeiros e uns americanos que se divertiam em tomar o chopp direto na mangueira – não sem antes provarem por a+b que a lei da gravidade também poderia ser transgredida; e viravam de pernas para o ar com aquele bico de bebida enfiado na boca.
As quenianas dançavam como nunca. Um requebrado que envergonharia qualquer mulata da Rede Globo. Nós assistíamos. Os haitianos não ficavam longe e requebravam num ziriguidum sensual. Mas mal deu tempo de ver se o banheiro estava sujo: logo apareceram pessoas de todos os lados sussurando: “the cops”.
Para uma brasileira que adora uma festa, polícia às 23h30 era quase folclórico. Enquanto os responsáveis pela casa se apresentavam para assinar algum documento que implicaria em multa e, enquanto os cops procuravam menores de idade em meio a tantas caras e sotaques diferentes, meu amigo Alexandre me perguntava: você trouxe seu passaporte?
Aos poucos o porão se esvaziou. As bebidas estavam acabando, o chopp já havia sido engolido e os fumantes já haviam se cansado de ficar na neve, do lado de fora. Encontrei um novo amigo peruano, o Héctor, e fomos dando risada da festinha dos americanos. Em português, espanhol e inglês, dizíamos que eles não sabiam fazer festa: “No Brasil, eu saio de casa às 23h30 e ainda tenho que fazer hora em algum barzinho antes de a festa começar.” Ele riu, disse que em Lima era assim também. Combinamos que no próximo simpósio discutiríamos a pobreza e a desigualdade mundial na América Latina e que lá – sim – eles veriam o que é uma festa.
Foi quando um americano se aproximou do nosos grupo e disse que haveria uma festa em outra casa, mas que não poderíamos ir todos juntos, caso contrário a polícia nos seguiria. Andamos em grupos menores, dando voltas nos quarteirões para enganar os cops (enquanto isso eu ouvia a indiana ao fundo reclamando “what the fucking cops fucking us in this fucking night”).
Héctor e eu tramávamos planos mirabolantes: para se divertir em festas americanas, os lugares/casas/porões deveriam ser previamente combinados. Pensamos em registrar a ideia para que nenhum oprtunista fizesse dinheiro com ela antes da gente. Seria o seguinte: ao chegar no primeiro porão, os convidados receberiam um folder com as indicações de horários e casas que seriam frequentadas naquela noite. Das 22h00 às 23h30, endereço tal. Das 00h00 às 2h30; endereço tal… das 3h00 às 4h30, endereço tal… Assim todos se locomoveriam calmamente, fazendo a sua programação prévia e quando os cops aparecessem, nós já estaríamos na festa seguinte. O único porém seria esconder o mapa para que os policiais não o encontrasse.
Chegamos à segunda festa, mais um porão – porém habitável. Este já não estava tao escuro. Havia sido transformado em uma sala de jogos, havia mesa de sinuca, tela de plasma com som estéreo para filmes e videogames e laguns utensílios domésticos, como uma máquina de lavar roupas, de trás da qual surgiram misteriosamente vários pecks de latinhas de cerveja. Mas não durou muito: os cops nos seguiram e acabaram com a festa.
“This is america, men” foi o que ouvi quando argumentei que ainda era cedo, que no Brasil as festas vão até tarde e que não havia nada de mais a gente se divertir um pouco já que a vida era curta, bela e nós, jovens.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A curiosa chuva em Benjamin Button

É semiótica. A chuva está presente nos filmes em momentos de tensão, de desvendar da trama, de acontecimentos marcantes. Chove no filme "O misterioso caso de Benjamin Button". Não uma chuva qualquer. Mas a chuva que cai com vento, com assobios, com tensão. A chuva do prenúncio do furacão. A chuva do Katrina.

Estamos em 2003. Uma senhora, Dayse, está no leito de morte em um dos hospitais de New Orleans. A filha começa a ler um diário com memórias de uma vida incomum. Não a da mãe, mas a de um sujeito curioso: Benjamin Button.

A narrativa de Benjamin é permeada pelas lembranças dessa senhora e pela dramaticidade da chuva que cai sem parar. Há enfermeiras correndo, pacientes sendo transferidos, mas no quarto das reminiscências, a chuva é companheira. O noticiário informando sobre o perigo dos diques se romperem. E o drama de Benjamin, o amor de Dayse, o mistério e o curioso.

Nenhuma chuva cinematográfica daria conta de passar a dramaticidade do conto de F. Scott Fitzgerald, em que o longa se baseia. Nenhuma tempestade, nenhum trovão. O diretor David Fincher escolheu o fenômeno meteorológico que mais causou comoção na recente história dos Estados Unidos. O espectador que se prepare.

A trama parece ser o sonho de alguns: nascer velho e morrer jovem. Mas Benjamin Button sofre. O corpo é senil, mas a mente é de criança. Ele não consegue correr e brincar porque tem artrite. Não consegue movimentar os membros jovens porque o espírito envelheceu. Tem esclerose aos oito anos. E morre bebê. A chuva do Katrina revela à leitora do diário a sua ligação com a história. A tormenta traz a versão de Benjamin para a ligação que ele e a mãe tiveram em vida. Memórias que Dayse jamais imaginaria.

E há o relógio.

A inundação do Katrina chega ao local em que está guardado o relógio. O mecanismo que enfim irá se estragar. O relógio que foi posto na estação pelo pai de um combatente de guerra que morreu em batalha. O relógio cuja engrenagem movimenta o tempo para trás. O relógio do ano em que Benjamin Button nasceu. A semiótica, o tempo e o espaço, a narrativa inicial que faz referência na última cena do filme. A história que se perdeu na inundação, na água da chuva, na tormenta dos sentimentos. Benjamin Button e os botões da história, os botões do tempo, os botões que o fazem enriquecer, mas não trazem a permanência do amor.

E tem-se a ideia de que o melhor do amor é envelhecer juntos. O melhor da vida é a velhice, o melhor da velhice, é a senilidade. O melhor do filme, as reflexões que provoca.


Ficha Técnica
Título Original: The Curious Case of Benjamin Button
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 166 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Site Oficial: www.benjaminbutton.com.br
Estúdio: Warner Bros / Paramount Pictures / The Kennedy/Marshall Company
Distribuição: Warner Bros
Direção: David Fincher
Roteiro: Eric Roth e Robin Swicord, baseado em estória de F. Scott Fitzgerald
Produção: Ceán Chaffin, Kathleen Kennedy e Frank Marshall
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Claudio Miranda
Desenho de Produção: Donald Graham Burt
Direção de Arte: Kelly Curley, Randy Moore e Tom Reta
Figurino: Jacqueline West
Edição: Kirk Baxter e Angus Wall
Efeitos Especiais: Lola Visual Effects / Evil Eye Pictures / Matte World Digital / Savage Visual Effects / Hydraulx / Drac Studios / Asylum VFX / Digital Domain / Gentle Giant Studios / Ollin Studio / Special Effects Atlantic


Mais?
www.benjaminbutton.com



sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Vocais sagrados

O timbre irretocável de Liane Guariente falhou. Talvez somente os que conhecem as gravações do grupo Terra Sonora tenham percebido, mas não havia tantos agudos como ela é capaz. Guariente é uma cantora fabulosa. Consegue atingir níveis altos e a pronúncia de dialetos de diversos grupos de países remotos. Mas naquela noite, algo aconteceu.

Cantava ela o tema Bahatuba, de Sri Lanka.Algumas ousadias foram poupadas. Daniel Farah, que a tem acompanhado no vocal, preenchia os espaços. Ela sorria, cabisbaixa, parecia sentir falta de ar. Que não fosse Edith Piaf. Plínio Silva, fundador do grupo, observava. No intervalo entre uma união de tema e outra (o show estava estruturado na apresentação de duas músicas de países diferentes, por vez), Plínio deu um tempo a Liane. Ela descansou a voz, tomou água, respirou fundo, enquanto ele entretinha o público contando uma história que parecia séria. Era uma piada sobre a origem do nome Macedônia, tema que seria apresentado em seguida.

E Liane ressurgiu. Sua voz vinha do mais profundo sentimento ao cantar a Seresta, de José Eduardo Gramani, tema do Brasil. O choro dos instrumentos acompanhava a dramaticidade daquela peça. A qualidade foi deslumbrante. E os aplausos foram quase um agradecimento, um alívio. Tudo estava bem.

A graça musical, quase sagrada, foi dada por Daniel Farah executando a técnica bifônica de Tuva no tema Beezhinden. Dani -- que até bem pouco tempo atrás era um dos meninos malucos do Universo em Verso Livre, com sua percussão instigante -- consegue obter duas fonias distintas ao mesmo tempo. Difícil explicar. Terra Sonora não precisa de palavras, além daquelas acompanhadas de cítaras, tambores, violões, flautas, violinos e instrumentos tradicionais de países que não fazem parte do Conselho de Segurança da ONU.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Eu adoro assessoria

Funciona. Você liga, diz o que precisa, e eles conseguem. Um sociólogo para analisar Curitiba nos anos 60. Uma escola infantil que use merendas naturais. Um determinado tipo produto que contenha algo que você vai usar na matéria. São as formiguinhas do jornalismo. Procuram, futucam e entregam o peixe. Voilà! E o texto fica lindo.

Quinta-feira, 08 de janeiro. Ligo para uma assessoria procurando por um especialista em determinada área de uma instituição específica. Opto por tal instituição justamente porque preciso do atendimento rápido e certeiro que o assessor dará. O tema é ensino e no início do ano todos os professores estão em recesso. Preciso contar com a varinha de condão do assessor.

Funciona como uma sanduicheria em que você escolhe o pão, o molho, o recheio. Especialista de tal área, para falar sobre tal assunto, para amanhã de tarde. Ok, até as 16h eu terei a minha resposta. E consigo.

Já passei por assessoria e reportagem. Prestei auxílio e fui auxiliada. Mas que o assessor deve ter qualidades que um repórter não tem.

Ele deve estar desprendido de vaidades. Vai ajudar outro profissional a fazer o trabalho e por vezes é justo o outro que recebe todo o reconhecimento. O assessor deve portar-se como um secretário ou produtor. E o repórter deve usar tal serviço com parcimônia, para não virar refém da preguiça.

Outras vezes a situação se inverte. O assessor nunca deixa o repórter chegar aos dados. Vira briga de gato e rato. Um futebol americano. A luta por uma informação em nome do público leitor. Se esconde, é porque aí tem.

Duas áreas distintas que se completam, se ajudam. O repórter precisa do entrevistado e o assessor precisa que seu cliente saia no jornal. Simbiose. Até que a vaidade os separe.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Amanhã teremos Sol

Ele, em viagem, aproveitava o fim de ano com amigos em uma ilha paradisíaca do litoral do Paraná (sim, o Paraná tem ilha paradisíaca... só que ninguém conhece). Ela ficou na cidade, trabalhando. Não que fosse um namoooooro daqueles já consagrados, reconhecidos e afinados, com regras internas de pode-não-pode. Eram dois amigos, dois ex-namorados que se encontraram anos depois. E a paixão veio, deixando-os atordoados... mas não a tempo de conversarem sobre o que havia entre eles. Ano Novo, viagens, nenhum compromisso. Preferiram deste modo. Os sentimentos se encarregaram de enlaçá-los. E assim foi.


Quando ela voltou ao trabalho depois do recesso, a saudade aumentou. Queria estar com ele lá na ilha, tomando cataia, comendo pastel de camarão, andando quilômetros pela praia deserta. Mas estava em Curitiba. Céu cinza, vento frio, computador, jornal, leituras, pesquisas. Momento de rebeldia. Tirou uns minutos para pensar.

Escreveu um e-mail para ele, mesmo sabendo que não o leria. Esperou a resposta, mesmo sabendo que não viria. E sentia saudades. Depois, insegurança. Depois, um pouco de raiva. Esqueceu que ele estava na ilha sem internet. Deu vazão à sua veia histérica e soltou a imaginação: “Ele deve estar lá, tomando todas, comendo pastel, matando o tempo da chuva no bar do Magal, sim, tenho certeza... e lá também estão todos os que resolveram acampar na ilha... hum, deve ter umazinha olhando para ele, claro... com aquela carinha de querido... hum... ele tomando... ela também... o frio da chuva, os corpos molhados, a preguiça e a vontade de se largar com alguém dentro da barraca, só para esquentar... tomara que ele encha o colchonete de areia quando se jogar lá dentro com alguém... não, melhor: tomara que ele beba tanto que nem repare em alguém... sim... tomara... e este e-mail que ele não responde? hein? hein? Eu aqui, sentindo saudades, trabalhando (graças a Deus, porque a situação está feia), mas ele também deveria estar aqui... poxa... sinto saudade... ora... ora...”


Durou umas frações de segundos. Os pensamentos foram e voltaram, até que riu da possibilidade de ser uma louca (ela o era, na verdade... mas disfarçava). Pensou em escrever outro e-mail. Acontecimentos do dia, nada de mais... só para compartilhar. Não escreveu. Imaginou que era bem fácil esta história de histeria ganhar força e se transformar em realidade. Voltou ao trabalho, ao jornal, às pesquisas, aos textos.


No dia seguinte, enquanto voltava para casa pensando e pensando “cadê, cadê, cadê ele?” enquanto a chuva caía forte, escorrendo pelos vidros do ônibus de apito agudo de próxima parada, percebeu que queria ver piscar no celular o nome dele. Sintomático. Torceu para que estivesse chovendo na ilha, para que ele voltasse logo. Depois tentou desfazer este pensamento, muita maldade e egoísmo em uma pessoa só. Mas era saudades... só saudades...


Desceu no ponto próximo à sua casa, correu da chuva que caía, protegendo papéis, livros, câmera fotográfica. Lembrou do dia em que eles foram juntos visitar a exposição fotográfica que ela havia montado dois meses antes. Calor, críticas, carinho, cerveja, calor, cerveja, cerveja... e o beijo sem querer, e as borboletas a voarem, e os sentimentos.


Quando o telefone tocou, pensou: “Bem que poderia ser o Reinaldo, tenho saudade de ver o nome dele piscando aqui, mas deve ser a minha mãe, só ela me liga...” Olhou. Era ele. “Acabei de chegar. Liguei só para dar oi”. Eba! Conversas, risos, como foi lá, como foi aqui. Saudades.

Amanhã teremos sol. E passeio de mãos dadas.