terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Natal

Parece pouco olhando daqui, de dezembro… Parece que 2010 já está aí, cheio de pressa para acontecer. Que 2008 está longe e, 2009, é agora.

E aí nem temos tempo de escrever, de telefonar, de passar horas em silêncio ao lado de um grande amigo. Mal vemos as flores, as estrelas (escondidas pelas luzes da cidade). Mal sabemos onde fica o rio mais próximo, aquele que ainda dá para mergulhar. Esquecemos os nomes dos vizinhos, dos amigos do colégio, da faculdade, de tios e tias mais distantes.

Mas com certeza lembramos o preço do dólar, da gasolina, da passagem de ônibus. Lembramos de ler aquele lançamento, assistir àquele filme, comprar aquele produto anunciado. Sabemos o endereço da Casa Branca, mas não temos os nomes das ruas e os números das casas dos nossos amigos e alguns de nossos parentes.

Aí vem dezembro, Natal, Ano Novo. E pensamos em coisas que fizemos e também em planos que não concluímos. E sabemos que, no fundo, em 2009 vai ser igual. Mas ao menos a intenção pode ser mais genuína.

Talvez possamos manter esta vontade de ser mais cordial com o próximo, de refletir sobre si mesmo, sobre o mundo, sobre nossas ações. Talvez possamos nos lembrar que as crianças são carentes o ano todo, que as luzes de Natal deveriam ser economizadas – mas já que não são, que economizemos ao longo do ano. Talvez possamos manter uma alimentação mais saudável, para brindar a nossa vida. Talvez consigamos deixar de lado os nossos vícios. Doar nossas roupas, alimentos, solidariedade… sem que, para isso, seja necessário uma grande tormenta, catástrofe, tempestade. Ou talvez nada disso seja feito. E ao fim de 2009 ainda teremos questões para refletir, nos escondendo atrás de nossas fraquezas.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Da moral e dos bons costumes

Para Confúcio, a moralidade deveria ser seguida com fim nela mesma, não em benefício próprio. Sócrates tinha como base da sua filosofia a busca pelo conhecimento de si e do mundo, o que resultariam em condutas morais. John Stuart Mill defendia que deveríamos agir de maneira que nossa atitude fosse a melhor para a maior quantidade de pessoas.

A atitude moral existe em benefício do coletivo. Ela deixa ter razão de existir se a intenção for simplesmente angariar benefícios próprios, individuais.

No Brasil, conduta moral é festejada com alarde. Noticia-se e premia-se aqueles que agem pelo suposto bem de todos. Como se oferecessemos palmas ao ator que nos entretém com histórias. Ou ao palhaço que nos diverte com brincadeiras.

Em uma dessas esquinas improváveis, repletas de santos cegos, o cineasta Fernando Meirelles e o juiz Fausto de Sanctis se cruzaram. Aquele recebeu um prêmio de uma revista por ser um paulistano de destaque. Este foi agraciado com a benevolência do premiado, que repassou o agrado ao juiz. Quanta firula. O prêmio, por si só, não me convence de que é alguma coisa a mais do que marketing publicitário promovido pela revista que lhe dá nome. Não serve de parâmetro. Ser repassado ao magistrado, como sinônimo de um reconhecimento por sua atitude moral ao julgar uma pessoa baseado em provas fartas de estar envolvida no crime, não me parece em nada uma atitude plausível. Onde está o ponto?

Temos um juiz que merece ser reverenciado porque cumpriu a sua função?

Ou temos um cineasta que pouco faz do prêmio e o utiliza para ironizar esta situação tragi-cômica?

No mundo das idéias, prefiro ficar com a segunda hipótese.
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Fonte: Folha de S.Paulo, 18/12/08
Mônica Bergamo

De Sanctis é "premiado" por Fernando Meirelles
O juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo e responsável, entre outras, pela prisão do banqueiro Daniel Dantas, ostenta em sua mesa, orgulhoso, um troféu que a revista "Veja São Paulo" entregou aos "Paulistanos do Ano" há uma semana.

Não, o juiz não estava entre os premiados (um grupo que incluía a atriz Sandra Corveloni, a geneticista Mayana Zatz e o jornalista Laurentino Gomes). O troféu acabou em sua mesa porque o cineasta Fernando Meirelles, homenageado na categoria cinema, decidiu enviá-lo ao juiz junto com uma cartinha.

"Ao subir no palco para receber o troféu, disse que me sentia honrado pelo reconhecimento mas que havia um paulistano que merecia o prêmio muito mais do que eu, que nos orgulhava pela sua postura e capacidade de resistir às pressões e que como ele não estava na lista dos contemplados da noite eu repararia o lapso e daria a ele meu prêmio. Este paulistano evidentemente é você [Fausto] e o prêmio, conforme o prometido diante de muitas testemunhas, aí está", escreveu Meirelles ao juiz.

Os dois não se conhecem, mas, na carta, o cineasta se derrama ainda em elogios e dá os "parabéns" ao juiz "pela sua coragem, correção e fibra, que são inspiradoras. Seu exemplo tem uma dimensão transformadora que raras figuras neste país igualam".

Sobre a placa no troféu que leva seu nome, o cineasta colocou um papel e escreveu, a caneta, o nome de seu homenageado particular.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Sábado

Sábado, dia pior que sexta e melhor que domingo. Sento no balcão do bar que sempre frequento e peço a costumeira cerveja do final de semana. Em tempos de lei seca, nem mesmo o alívio da mesmice cotidiana pode ser tranquilizado com sucessivos goles da bebida. Uma pitada de cigarro, quem sabe? Para quem está deixando de fumar, é uma droga e tanto… lentas tragadas para sentir bem a nicotina e o alcatrão poluindo o corpo. Fecho os olhos. Um, dois, três… dá para sentir o veneno correndo pelo sangue, monóxido de carbono unido-se aos glóbulos vermelhos. Abro os olhos. Durante a semana, saladas e carnes grelhadas iludem em uma garantia de vida saudável e duradoura. Aos finais de semana, nas noites frias e falsamente divertidas, tragos de cervejas e cigarros sucessivos – e reza para não cair em blitz. Já faz meses que nem vejo a cara dos documentos do meu carro. Guardei e não sei onde foram parar. Só trabalho, trabalho, trabalho e aulas complementares, porque essa vida não está fácil e dizem que há muita competitividade no mercado. Queria ver uma competitividade de verdade no mercado. Arroz versus feijão. Qum ganhará seu prato? Melhor passar no corredor dos etílicos e abraçar uma garrafa de rum. Para beber em casa, até a última gota, sem guardas por perto. Nesses dias de solidão e bebedeira, quem sabe tenho sorte e caio em uma blitz de semideuses fardados – não que tenha tara por fardas, ultimamente tenho taras por… não me lembro mais.

Sentada no balcão de fórmica vermelha, olho-me no espelho que se esconde atrás das garrafas. O cabelo está péssimo e hoje, que esqueci de colocar brincos, tudo fica pior. Não creio que alguém mais, além de mim, repare se estou ou não usando brincos. Mas eu reparo e não gosto. Aliás, não gosto de ficar sem duas coisas: lápis no olho e brincos. Não que façam tanta diferença assim, mas é que quando abdico de tais itens é porque o humor, meu Deus, já foi pra Pasárgada. No espelho por trás das garrafas não consigo ver se faz falta estar sem lápis de olho e brincos, mas eu me sinto deslocada. Por que não cai chuva fina e fria?

Uma cerveja, um aperitivo; bolinho, amendoim, música ruim; papos chatos de senhores bêbados. Como os homens bebem. Acho que sentem essa solidão há muito mais tempo do que as mulheres que trabalham, trabalham, trabalham. Pelo menos eles podem comprar sexo e se satisfazerem somente com isso. Já pensei em fazer o mesmo, mas de que ia adiantar? Teria que incluir no cachê do cidadão um extra por telefonema no dia seguinte e outro dias depois marcando para mais um encontro. Que dificuldade em nos apaixonarmos hoje em dia. Também, com essa cara sem lápis e sem brincos, nem eu ia me apaixonar. Melhor pedir mais uma cerveja e algo frito, com bastante gordura, para ativar a região de prazer do cérebro.

Conversas, rumores, pessoas interessantes entram e saem – as menos interessantes sempre se interessam por você. Mas hoje, nem isso. Disputar a atenção do moleque que se derrete pela européia, é foda. Deixa estar; um dia serei eu a brasileira na europa. Grécia, na verdade, queria conhecê-los. Talvez falando grego consiga me entender com eles.

Já se passaram duas horas desde que decidi ir embora e ainda fico aqui, nesse mesmo balcão, conversando e bebendo, enquanto a noite esfria. Ir embora pra que, afinal, se não tem nada pra fazer lá. Uma cama quentinha, graças a Deus, mas que pode me esperar. Já dei comida para os cachorros – não vão morrer de fome. Deixa eu me jogar nessa mentira de bar. Deveriam haver lugares mais propícios para dias assim. Hoje me jogaria em um sofá com um bom livro de poesias, Billie Holiday (Someday will come along, the man I love), e um vinho do porto; mas não lá em casa. Então fico aqui, com amigos e conhecidos, conversando de tal e tal pessoa, de tal e tal assunto. Queria dar um abraço naquele menino, deitar a cabeça em seu ombro. Mas acho que isso já está fora de moda. No balcão meu amigo me diz jargões sobre relacionamentos: hoje está muito dificil de as pessoas se envolverem; é só sexo, sexo, sexo; as mulheres pagam um preço muito caro por serem independentes. Kiss my ass.

Okay, cadê a conta. Pago em várias parcelas, quito a dívida e estou livre de tudo, pode ser? Ou quem sabe eu penduro, semana que vem é dia de pagamento e eu ainda tenho dois empregos até o final do mês, depois, só um. Dois empregos, faculdades, ong, religião. Projeto de pesquisa, familiares, amigos, cultura. Estudos, jornais, sites, atualização. Cadê meu tempo, Jesus, para ser menos independente? Quisera eu poder não me preocupar com estudos, salários, emprego, se pudesse confiar em alguém que bancasse minha dependência. Okay, custo caro. Mas seria uma linda Amélia coadjuvante, com dinheiro de sobra para investir em aulas de artesanato – ai, meus vasos de argila – crochê, costura, cozinha vegetariana. Também aprenderia a história da arte mundial, para acompanhar meu amor nas viagens internacionais que faríamos. Problema nenhum em ser dependente. As mulheres pagam um preço caro pela falência dos homens que as circundam. Não poderia dizer tal verdade crua ao amigo chato do balcão. Deixei ele pra lá com suas ilusionices tolas.

Sim, pode trazer mais uma cerveja. Também um bolinho com pimenta, porque afinal de algum lugar tem que vir essa coisa picante que tanto gosto na vida. Depois fecha a conta, que acho que já estou bem para ir pra casa. Bem de saco cheio deste sábado sem graça, desta vida sem ânimo, desta procura por nada.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Capitu

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu
(Ná Ozzetti)


Não me parece Machado. A licença poética para a produção da minissérie Capitu, da Rede Globo, é no mínimo exacerbada. Machado de Assis, com seu jeito carrancudo, provavelmente acharia bobagem demais as cores distorcidas, a maquiagem forçada, a interpretação dramática de Bentinho (o chato). Nem figurino exemplar, nem linguagem audiovisual convencem o que deveria ser uma ode ao escritor brasileiro mais citado neste ano. O pessimismo machadiano é cinza, não ocre. As ações dúbias são brancas, não contrastadas.

A minissérie Capitu traz mais de Luiz Fernando Carvalho, o diretor, do que Machado de Assis. Livre apropriação, diriam, já que a produção é dele, e não do escritor. Mas o cuidado que se deveria ter ao trabalhar uma obra de escritores renomados é de, no mínimo, tentar ser reinterpretar o que o autor tinha em mente, sem que a linguagem audiovisual se sobreponha à obra maior: o livro, a história. Assim foi com o outro Fernando – o Meirelles – quando passou para o cinema a obra de Saramago, respeitando a dramaticidade do livro, sem que a imagem se tornasse maior do que o enredo.

Pode ser uma opção consciente. A Rede Globo vence ao apostar em minisséries ousadas do ponto de vista audiovisual. Dá liberdade à criação em todos os aspectos: roteiro, montagem, interpretação, figurino, maquiagem, trilha sonora. Foge da linha das telenovelas mas arrisca-se a criar uma outra: a linha das minisséries fantásticas, cuja obra “Hoje é Dia de Maria” foi a precursora. Capitu é a terceira parte de uma suposta trilogia televisiva. Ganha quem?

Capitu afasta o público espectador, desencoraja o público leitor – que pode se confundir ao imaginar que Machado de Assis é isso: um excesso de cores, de drama, de imagens que vão e vêm, de maquiagem, de figurino. O mesmo Carvalho conseguiu realizar com o ótimo Raduan Nassar e o seu Lavoura Arcaica. Tenho pena dos filhos pródigos de Nassar. Pena de Esaú e Jacó, de Helena. Pena dos contos ácidos machadianos que serão cada vez menos lidos. Ao fim da minissérie, vale uma tese de mestrado: em quanto diminuiu a procura de obras de Machado de Assis nas bibliotecas públicas do Brasil?

Cinematograficamente, parabenizo Carvalho. Mas até que ponto é válido produzir uma obra audiovisual impecável se, para isso, é preciso se valer de grandes autores para embasar o projeto? Tenho cá as minhas reflexões.