terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Vestibular

Quando fiz vestibular, e nem faz tanto tempo assim, lembro da sensação de 'fortaleza' que eu sentia. Parecia uma casca grossa de pedras sobrepostas, envolvendo uma penugem fraquinha, fraquinha, que voaria com o primeiro sopro de uma questão de física elétrica que eu não soubesse responder. Respirava fundo, fazia o trajeto de casa até o local de prova com meu pai, de carro, uns dias antes, para conhecer o caminho. No dia fatídico, a ansiedade era tanta que eu ia fazer a prova a pé mesmo. Andar, andar; suar, suar. Meu lema para cansar o corpo e descansar a cabeça.

Quando eu tinha uns 15 anos, encasquetei que queria ser jornalista. Como o Drummond: "Os ombros suportam o mundo, e ele não pesa mais do que a mão de uma criança." Gostava de Drummond, gostava de escrever, gostava de histórias e era um tanto questionadora. Minha professora de Matemática da 7ª série (7ªB, eu me lembro)me aconselhou a estudar Direito porque consegui defender um amigo meu contra um redondo zero quando ele foi pego com cola, minutos antes da distribuição da prova. Meu argumento a convenceu: como o teste ainda não havia sido aplicado, ele não tinha colado de verdade. A cola era um mero indício de uma intenção, que poderia não se concretizar. "Agora todo mundo que tem arma é assassino?", perguntei. Eram tempos anteriores ao desarmamento e, embora infeliz, o discurso colou: prova aplicada, cola retirada, e um amigo para a vida toda.

O vestibular da Federal do Paraná não tinha questões discursivas como agora tem a Fuvest nessa segunda fase. Nunca me senti capaz de responder questões discursivas, nem em simulados. Ia querer argumentar tanto, mas tanto, que escreveria uma monografia a cada questão. Na UFPR, a metodologia era a somatória: (02, 04, 08, 16, 24, 64) e o meu maior medo era somar errado e perder a questão. Baita frio na barriga! Fazia e refazia as contas. Demorava demais até preencher o gabarito!

Nunca passei na UFPR. Meu melhor score foi no ano em que saí do ensino médio e não havia feito cursinho. Os jornais diziam que aquela era a prova mais fácil dos últimos anos (tempos anteriores à TRI). A banca deve ter ficado com os ânimos e a vaidade exaltados e, nos anos seguintes, capricharam nas questões. Eu só errava. Uma atrás da outra. Um dia cansei de fazer cursinho e de ouvir as mesmas piadas dos professores, com o mesmo ritmo de aula, ano após ano. Aí me matriculei em uma boa faculdade particular na qual havia passado, fiz os melhores amigos da minha vida, descobri talentos que só os laboratórios bem equipados de lá me proporcionaram, virei notícia com meu projeto de conclusão de curso, vivi os anos mais intensos de minha vida. Nada de amores, festas ou drogas -- não 'na' faculdade, pelo menos, como os filmes americanos gostam de mostrar. Eu era curiosa e só a saciava na escuridão da sala de fotografia ou no silêncio da biblioteca com tantos títulos a serem decifrados. Ia cedo para a faculdade, lia tudo o que podia, até tirava um cochilo no sofá da biblioteca durante a tarde. Adorava! Outras vezes ficava entorpecida com o ácido acético da revelação e ampliação das fotos. Pura alquimia, muito melhor que Sessão da Tarde.

Eu não sabia de nada disso quando caminhava, nervosa, fortaleza-cobrindo-a-penugem, indo fazer a prova. Exigia que meus pais ficassem em casa e ninguém poderia me perguntar se eu havia ido bem nos testes. Nem mal. Chorava feito uma louca adolescente ensandecida se eles se esquecessem e, por curiosidade, quisessem saber do meu desempenho. "Já disse que não pode perguntar!", eu gritava. Nenhuma saudade disso.

O vestibular passou, eu me formei e agora até sinto falta da época de cursinho; de tomar sol nas tardes de inverno estudando as apostilas em frente ao cursinho, ou na sacada de casa; falta das aulas de história, de física mecânica, das briófitas e pteridófitas, das reações químicas e de um professor me convencendo de que eu deveria aprender a reação de neutralização: "Se você quer ser jornalista, um dia vai na estrada cobrir um acidente com derramamento de substância química. Vai ter que saber como faz para neutralizar aquilo e não prejudicar a natureza." Ah... é verdade. Sabia de cor e salteado como fazai para transformar ácido em base e vice-versa.

Quando lembro da ausência do meu nome nas listas de aprovados, ao fundo ainda escuto a voz da minha avó dizendo: "Liga não, menina. Vestibular? Ah, é igual carnaval. Tem todo ano!"


Leia mais:
Na saída da prova...