sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Transaçã o

O barulho dos pedestres, carros e ônibus que transitavam pela rua Teodoro Sampaio naquele início de tarde de sol infernal não impediam que a transação comercial se cercasse de detalhes. Estavam alheios à tudo: ao vendedor de espelhos que tentava anunciar as vantagens a boca-pequena para quem passasse por perto, à banca de frutas que expunha melancia, abacaxi, amoras e cocos verdes, aos funcionários de lanchonetes entregando pedidos de almoços para lá e para cá, esbarrando em que os impedisse de concluir a tarefa com rapidez, aos clientes de bancos tentando passar apressados pela porta-giratória -- que sempre trava quando se tem pressa -- e tiravam da bolsa molhos de chaves, guarda-chuvas, moedas.

O semáforo da Teodoro fechou, o da Fradique abriu, e os carros subiam, com pressa, como se acelerando conseguissem passar pelos demais à frente. Imunes a tudo, a transação começou como uma dança. Se olharam, mas não se encararam. Ela diminui o passo e entrou em uma outra sintonia, mais calma e tranquila que o caos ao redor. Ouviu os próprios passos, se aproximou dos produtos e se deixou demorar. Virou o rosto à direita e, de canto de olho, observou o vendedor. Ele a deixou pegar a mercadoria, observar com os olhos, os dedos, a curiosidade. Ela pegou outros produtos e, um a um, os observou com os olhos, os dedos e a curiosidade. Ainda que lentamente, ela já sabia o que estava acontecendo. A chama do consumo estava ali, acesa. Queria aquele produto. Mas tinha que ser do jeito dela.

O vendedor percebeu o interesse e se aproximou pela esquerda, fazendo-se notar. Sem levantar os olhos, ela perguntou, displicente:

"Quanto custa isto aqui?"

"Cinco reais."

"Cinco reais?"

A indagação sobre o preço era para aplicar a técnica do desdém. Ela iria comprar, mas fingiu estar caro, fingiu não quer. Deu a deixa para ser convencida pelo vendedor. O prazer da compra não estava ali, no produto ou no ato consumista. Estava na transação comercial. E ambos sabiam bem disso.

Separou outros produtos e pediu para ele guardar. "Vou ali e já volto." Queria testar se o vendedor saberia fazer o jogo e, ao mesmo tempo, ela quis se dar um tempo para desistir do impulso. Não desistiu. Voltou depois com o dinheiro contado e o argumento pronto.

"Se eu levar três, tem desconto?"

"Três?" respondeu o vendedor, valendo-se da mesma tática usada por ela em relação ao preço do produto. "Faço cinco por vinte", ofereceu.

"Cinco por vinte? Ah, não..." Dessa vez, a desdenha era sincera. Não queria cinco produtos. Queria três. Fez as contas e ofereceu: "Faz por doze, então..."

"Três por doze? Não... por treze", tentou.

"Ah, não... já tenho as notas aqui: dez e dois. Quer? Facilita o troco." Tirou as notas do bolso e estendeu para ele.

Ele quis. E ela foi embora, satisfeita pela transação. Um vento bateu e sacudiu os fios de cabelo soltos do coque que havia feito para driblar o calor. Mas agora, o tempo já não estava tão quente.

***

Na banca do brechó, na feira da Benedito Calixto, dias antes do episódio acima.

Caminhava por entre produtos interessantes e quinquilharias. Não queria nada daquilo. Passeou os dedos pelas saias coloridas, riu dos brinquedos velhos vendidos como raridades, brincou com os cartazes e não levou nada. Na banca do brechó, no entanto, viu um chapéu, escondido sob outro, e o pegou. O material era interessante, um tanto displicente em um objeto que denota sofisticação. Vestiu na cabeça e o caimento ficou perfeito. As abas laterais repousaram delicadamente, formando uma 'viseira' para os olhos não ficarem encobertos. Com os óculos grandes e escuros, o conjunto ganhou vida. "Parece a Audrey Hepburn", disse o primo, que logo desviou a própria atenção para outro objeto da banca.

"Quanto é?", perguntou para a vendedora.

"Quarenta e cinco reais."

"Ah, faz por trinta e cinco?"

"Tá bom."

Pagou no Visa e parcelou em duas vezes. Não fosse um objeto tão encantador, perderia o interesse no ato da compra.

"Comprou? Que legal", comemorou o primo quando a viu de chapéu andando pela feira. "É, mas não gostei muito... eu pedi para fazer por trinta e cinco e ela aceitou. Mó sem graça!"