sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Capitu

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu
(Ná Ozzetti)


Não me parece Machado. A licença poética para a produção da minissérie Capitu, da Rede Globo, é no mínimo exacerbada. Machado de Assis, com seu jeito carrancudo, provavelmente acharia bobagem demais as cores distorcidas, a maquiagem forçada, a interpretação dramática de Bentinho (o chato). Nem figurino exemplar, nem linguagem audiovisual convencem o que deveria ser uma ode ao escritor brasileiro mais citado neste ano. O pessimismo machadiano é cinza, não ocre. As ações dúbias são brancas, não contrastadas.

A minissérie Capitu traz mais de Luiz Fernando Carvalho, o diretor, do que Machado de Assis. Livre apropriação, diriam, já que a produção é dele, e não do escritor. Mas o cuidado que se deveria ter ao trabalhar uma obra de escritores renomados é de, no mínimo, tentar ser reinterpretar o que o autor tinha em mente, sem que a linguagem audiovisual se sobreponha à obra maior: o livro, a história. Assim foi com o outro Fernando – o Meirelles – quando passou para o cinema a obra de Saramago, respeitando a dramaticidade do livro, sem que a imagem se tornasse maior do que o enredo.

Pode ser uma opção consciente. A Rede Globo vence ao apostar em minisséries ousadas do ponto de vista audiovisual. Dá liberdade à criação em todos os aspectos: roteiro, montagem, interpretação, figurino, maquiagem, trilha sonora. Foge da linha das telenovelas mas arrisca-se a criar uma outra: a linha das minisséries fantásticas, cuja obra “Hoje é Dia de Maria” foi a precursora. Capitu é a terceira parte de uma suposta trilogia televisiva. Ganha quem?

Capitu afasta o público espectador, desencoraja o público leitor – que pode se confundir ao imaginar que Machado de Assis é isso: um excesso de cores, de drama, de imagens que vão e vêm, de maquiagem, de figurino. O mesmo Carvalho conseguiu realizar com o ótimo Raduan Nassar e o seu Lavoura Arcaica. Tenho pena dos filhos pródigos de Nassar. Pena de Esaú e Jacó, de Helena. Pena dos contos ácidos machadianos que serão cada vez menos lidos. Ao fim da minissérie, vale uma tese de mestrado: em quanto diminuiu a procura de obras de Machado de Assis nas bibliotecas públicas do Brasil?

Cinematograficamente, parabenizo Carvalho. Mas até que ponto é válido produzir uma obra audiovisual impecável se, para isso, é preciso se valer de grandes autores para embasar o projeto? Tenho cá as minhas reflexões.

Um comentário:

  1. Arrá! Vc tem um blog...

    Eu não assisti à minissérie(*), mas pelas propagandas já tinha sentido exatamente o que vc disse aí. Quando minha mãe comentou "Vai ter uma série na Globo sobre Dom Casmurro", formulei na cabeça o oposto do que parece que está sendo apresentado.

    beijos!

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