domingo, 14 de dezembro de 2008

Sábado

Sábado, dia pior que sexta e melhor que domingo. Sento no balcão do bar que sempre frequento e peço a costumeira cerveja do final de semana. Em tempos de lei seca, nem mesmo o alívio da mesmice cotidiana pode ser tranquilizado com sucessivos goles da bebida. Uma pitada de cigarro, quem sabe? Para quem está deixando de fumar, é uma droga e tanto… lentas tragadas para sentir bem a nicotina e o alcatrão poluindo o corpo. Fecho os olhos. Um, dois, três… dá para sentir o veneno correndo pelo sangue, monóxido de carbono unido-se aos glóbulos vermelhos. Abro os olhos. Durante a semana, saladas e carnes grelhadas iludem em uma garantia de vida saudável e duradoura. Aos finais de semana, nas noites frias e falsamente divertidas, tragos de cervejas e cigarros sucessivos – e reza para não cair em blitz. Já faz meses que nem vejo a cara dos documentos do meu carro. Guardei e não sei onde foram parar. Só trabalho, trabalho, trabalho e aulas complementares, porque essa vida não está fácil e dizem que há muita competitividade no mercado. Queria ver uma competitividade de verdade no mercado. Arroz versus feijão. Qum ganhará seu prato? Melhor passar no corredor dos etílicos e abraçar uma garrafa de rum. Para beber em casa, até a última gota, sem guardas por perto. Nesses dias de solidão e bebedeira, quem sabe tenho sorte e caio em uma blitz de semideuses fardados – não que tenha tara por fardas, ultimamente tenho taras por… não me lembro mais.

Sentada no balcão de fórmica vermelha, olho-me no espelho que se esconde atrás das garrafas. O cabelo está péssimo e hoje, que esqueci de colocar brincos, tudo fica pior. Não creio que alguém mais, além de mim, repare se estou ou não usando brincos. Mas eu reparo e não gosto. Aliás, não gosto de ficar sem duas coisas: lápis no olho e brincos. Não que façam tanta diferença assim, mas é que quando abdico de tais itens é porque o humor, meu Deus, já foi pra Pasárgada. No espelho por trás das garrafas não consigo ver se faz falta estar sem lápis de olho e brincos, mas eu me sinto deslocada. Por que não cai chuva fina e fria?

Uma cerveja, um aperitivo; bolinho, amendoim, música ruim; papos chatos de senhores bêbados. Como os homens bebem. Acho que sentem essa solidão há muito mais tempo do que as mulheres que trabalham, trabalham, trabalham. Pelo menos eles podem comprar sexo e se satisfazerem somente com isso. Já pensei em fazer o mesmo, mas de que ia adiantar? Teria que incluir no cachê do cidadão um extra por telefonema no dia seguinte e outro dias depois marcando para mais um encontro. Que dificuldade em nos apaixonarmos hoje em dia. Também, com essa cara sem lápis e sem brincos, nem eu ia me apaixonar. Melhor pedir mais uma cerveja e algo frito, com bastante gordura, para ativar a região de prazer do cérebro.

Conversas, rumores, pessoas interessantes entram e saem – as menos interessantes sempre se interessam por você. Mas hoje, nem isso. Disputar a atenção do moleque que se derrete pela européia, é foda. Deixa estar; um dia serei eu a brasileira na europa. Grécia, na verdade, queria conhecê-los. Talvez falando grego consiga me entender com eles.

Já se passaram duas horas desde que decidi ir embora e ainda fico aqui, nesse mesmo balcão, conversando e bebendo, enquanto a noite esfria. Ir embora pra que, afinal, se não tem nada pra fazer lá. Uma cama quentinha, graças a Deus, mas que pode me esperar. Já dei comida para os cachorros – não vão morrer de fome. Deixa eu me jogar nessa mentira de bar. Deveriam haver lugares mais propícios para dias assim. Hoje me jogaria em um sofá com um bom livro de poesias, Billie Holiday (Someday will come along, the man I love), e um vinho do porto; mas não lá em casa. Então fico aqui, com amigos e conhecidos, conversando de tal e tal pessoa, de tal e tal assunto. Queria dar um abraço naquele menino, deitar a cabeça em seu ombro. Mas acho que isso já está fora de moda. No balcão meu amigo me diz jargões sobre relacionamentos: hoje está muito dificil de as pessoas se envolverem; é só sexo, sexo, sexo; as mulheres pagam um preço muito caro por serem independentes. Kiss my ass.

Okay, cadê a conta. Pago em várias parcelas, quito a dívida e estou livre de tudo, pode ser? Ou quem sabe eu penduro, semana que vem é dia de pagamento e eu ainda tenho dois empregos até o final do mês, depois, só um. Dois empregos, faculdades, ong, religião. Projeto de pesquisa, familiares, amigos, cultura. Estudos, jornais, sites, atualização. Cadê meu tempo, Jesus, para ser menos independente? Quisera eu poder não me preocupar com estudos, salários, emprego, se pudesse confiar em alguém que bancasse minha dependência. Okay, custo caro. Mas seria uma linda Amélia coadjuvante, com dinheiro de sobra para investir em aulas de artesanato – ai, meus vasos de argila – crochê, costura, cozinha vegetariana. Também aprenderia a história da arte mundial, para acompanhar meu amor nas viagens internacionais que faríamos. Problema nenhum em ser dependente. As mulheres pagam um preço caro pela falência dos homens que as circundam. Não poderia dizer tal verdade crua ao amigo chato do balcão. Deixei ele pra lá com suas ilusionices tolas.

Sim, pode trazer mais uma cerveja. Também um bolinho com pimenta, porque afinal de algum lugar tem que vir essa coisa picante que tanto gosto na vida. Depois fecha a conta, que acho que já estou bem para ir pra casa. Bem de saco cheio deste sábado sem graça, desta vida sem ânimo, desta procura por nada.

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